O que é política linguística?
As políticas linguísticas abordam a relação entre língua e política, o que faz com que conceitos de política e de sociedade sejam relevantes, pois eles sinalizam para o modo como compreendemos a dinâmica sócio-política na sua relação com as práticas de linguagem, as ideologias linguísticas e as ações e intervenções sobre essas práticas e ideologias (KROSKRITY, 2020; SPOLSKY 2012; IRVINE; GAL, 2000). Na contramão de uma visão estrutural e tipológica de língua e sociedade, trata-se de compreender como as ações e discursos, historicamente situados, inscrevem/mobilizam/agenciam práticas linguísticas que são situadas, contextuais e experienciais. Entendemos, portanto, que a política não se restringe à dimensão institucional de políticas públicas regulatórias que visam orientar e prescrever comportamentos através do dispositivo jurídico-político, mas inclui uma relação entre as diferentes intervenções institucionais – através de legislações/regulamentações e políticas públicas – e a dinâmica sócio-política envolvida nos usos e nas ideologias linguísticas. (SEVERO, 2022, p. 25)
O que é política?
Para Hannah Arendt (2007), a política compreende o espaço compartilhado de ação e discurso de sujeitos plurais e singulares, sendo a liberdade condição para o exercício da política. Trata-se, com isso, de reconhecer a importância do espaço comum como lugar de vínculo plural e de manifestação de interesses dos cidadãos e cidadãs. Assim, a construção de laços e a manifestação de interesses implica o uso da linguagem, da voz e dos modos de dizer (e dizer-se) na esfera pública da visibilidade. Dado que a pluralidade é condição para o exercício da política, a contradição, a discordância e o conflito integram o processo discursivo de negociação de sentidos, fazendo avançar o próprio processo político. (SEVERO, 2022, p. 27).
Já Achile Mbembe (2017) reflete sobre o papel da política a partir dos contextos da colonização e dos processos de descolonização dos países africanos; segundo o autor, em diálogo com Franz Fanon e outros intelectuais da revolução africana, o ato de viver, a reciprocidade e o cuidado são elementos constitutivos do político e do mundo comum. Esse comum significa que estar exposto ao Outro – com sua voz, corpo e singularidade – opera como processo de cura da experiência de violência colonial de coisificação e mercantilização das pessoas e da vida. (SEVERO, 2022, p. 27).
Política vs. planejamento linguístico
No âmbito das políticas linguísticas como campo de conhecimento, o termo política linguística (language policy) foi amplamente cunhado em paralelo com o outro termo, planejamento linguístico (language planning): de forma bastante genérica, o primeiro estaria vinculado ao campo teórico-analítico e/ou dos objetivos, e o segundo, ao campo da ação (FISHMAN, 1974). Sabemos, contudo, que a dicotomia entre teoria e prática á passível de ser problematizada e contestada (FREIRE, 1987), uma vez que a prática sempre carrega alguma teoria subjacente, e a teoria se molda a partir da prática, contribuindo para ampliar, inclusive, a possibilidade de ação. A terminologia usada atualmente no campo das políticas linguísticas também envolve, entre outros, os termos glotopolítica (MARCELLESI; GARDAN, 1974; LAGARES, 2018; BLANCHET, 2020) e gestão linguística (JERNUDD; NEUSTUPNÝ; 1987; SPOLSKY, 2009). O termo glotopolítica (glottopolitique, em francês, e glottopolitics, em inglês) tem sido amplamente usado no contexto de pesquisas hispânicas, designando uma “abordagem política sobre a linguagem” (LAGARES, 2018, p. 37). Esse termo também é veiculado no âmbito da sociolinguística corsa (Corsican sociolinguistics), fortemente influenciada pelos trabalhos de Marcellesi, Thiers, Chiorboli, Comiti, Guespan e Gardan (BLANCHET, 2020). (SEVERO, 2022, p. 28)